CONTEXTO
Desde de dezembro de 2019, quando o primeiro surto de infecção por COVID-19 foi reconhecido na China continental (Wuhan, província de Hubei), pesquisas têm sido conduzidas para desenvolver testes diagnósticos rápidos, economicamente viáveis e com boa acurácia, para desenvolver vacinas e para testar opções terapêuticas para o tratamento e a prevenção desta doença e de suas complicações, como a infecção respiratória aguda. Agências de fomentos tem priorizado a destinação de suas verbas para estudos genéticos, moleculares, epidemiológicos e clínicos voltados para a elucidação do vírus, identificação da fisiopatologia da doença, dos fatores de risco e de prognóstico. Organizações de pesquisas, bases de dados, renomados jornais e editoras internacionais, como a Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene, Elsevier, Cochrane, University of Oxford e British Medical Journal têm se mobilizado para disponibilizar sua produção científica gratuitamente para os profissionais de saúde e para a população. Uma busca com o termo livre ‘COVID-19’ na base de registros de ensaio clínicos International Clinical Trials Registry Platform, da Organização Mundial da Saúde, em 19 de março de 2020, recuperou 522 estudos em andamento para avaliar intervenções para esta condição. Face a uma pandemia, todas estas ações são esperadas e devem ser reconhecidas como legítimas para tentar minimizar as consequências de uma nova doença que tem mostrado alta transmissibilidade, alta taxa de complicações e de internação em unidades de terapia intensiva, elevado consumo de recursos em saúde, além das consequência econômicas mundiais que ainda sequer podem ser estimadas com alguma precisão. No entanto, a expectativa de que novas descobertas possam mudar urgentemente este cenário deve ser pautada em dados objetivos e confiáveis. Ela não pode 4 ignorar ou subestimar a importância do rigor metodológico das pesquisas, a diferença entre óbvio e a evidência, a diferença entre o racional fisiopatológico e o resultado de um estudo clínico bem planejado e bem conduzido.
JUSTIFICATIVA
Com base em resultados de estudos preliminares, autoridades de saúde chinesas e sul-coreanas, têm recomendado o uso de hidroxicloroquina e cloroquina para o tratamento de infecção por COVID-19 com o objetivo de prevenir ou tratar a infecção respiratória aguda [China law translate 2020; Sung-sun 2020; Yao 2020]. O uso offlabel da hidroxicloroquina para esta finalidade já está sendo disseminado globalmente. A falta deste medicamento para pacientes portadores de doenças para as quais a hidroxicloroquina está formalmente indicada – incluindo doenças crônicas autoimunes como lúpus eritematoso sistêmico e artrite reumatoide – já é uma realidade. Para informar cientificamente, e de modo imparcial, a tomada de decisão em saúde, foi desenvolvida uma revisão sistemática rápida para mapear e avaliar criticamente as melhores evidências existentes sobre o uso de hidroxicloroquina e cloroquina para infecção por COVID-19.

OBJETIVOS
Identificar, avaliar sistematicamente e sumarizar as melhores evidências científicas disponíveis sobre a eficácia e a segurança do uso da hidroxicloroquina e da cloroquina para infecção por COVID-19.
Pergunta estruturada (acrônimo PICOS):
A hidroxicloroquina é eficaz e segura para o tratamento de infecção por COVID-19?
● P (população): pessoas com suspeita ou infecção confirmada por COVID-19.
● I (intervenção): hidroxicloroquina ou cloroquina (isolada ou em associação).
● C (comparadores): medidas gerais de suporte, placebo, nenhuma intervenção ou qualquer outro tratamento ativo.
● O (outcomes, desfechos): desfechos de eficácia e segurança detalhados adiante.
● S (studies, estudos): estudos clínicos primários ou estudos secundários considerando estudos clínicos primário para inclusão.
REVISÃO RÁPIDA
É um estudo secundário que sumariza as melhores evidências disponíveis, é preparado em tempo factível para atender a demandas específicas e segue a mesma metodologia sistematizada e reconhecida e revisões sistemáticas tradicionais [CADTH 2015; Higgins 2019]. Difere-se da revisão sistemática tradicional quanto ao tempo mais curto de execução, mas não quanto à transparência, qualidade e reprodutibilidade – sendo, portanto, indicada para oferecer respostas rápidas em contextos de urgência e/ou para enfrentar situações de epidemia. Algumas experiências exitosas da Organização Mundial de Saúde têm confirmado o papel das revisões rápidas na tomada de decisão em saúde como ocorreu nos casos da gripe aviária e da epidemia de Ebola [Schünemann 2015]. Assim como as revisões sistemática tradicionais, as revisões rápidas identificam as melhores evidências científicas disponíveis sobre os efeitos de uma intervenção e apontam as áreas em que os estudos são insuficientes para responder de modo apropriado a uma questão clínica ou de política em saúde. Os dois tipos de revisão não devem fazer recomendações diretas para a prática, uma vez que para isso é fundamental considerar ainda elementos adicionais necessários para a tomada de decisão, como o cenário, frequência da condição clínica, custos e impactos individuais, sociais e financeiros) de sua implementação.
Existem atualmente 52 tipos de vieses catalogados que podem contribuir para que resultados de estudos clínicos se distanciem da verdade [Catalogue of Bias Collaboration 2019]. Para que um estudo tenha resultados confiáveis e aplicáveis, é esperado que sejam adotados métodos rigorosos para prevenir a ocorrência destes vieses ao longo do planejamento, da condução e do relato do estudo. No entanto, este rigor metodológico, já conhecido desde a condução do primeiro ensaio clínico, não foi adotado no estudo de Gautret e colaboradores.
CONCLUSÕES
Com base nos achados nesta revisão sistemática rápida, a eficácia e a segurança da hidroxicloroquina e da cloroquina em pacientes com COVID-19 é INCERTA e seu uso de rotina para esta situação NÃO pode recomendado até que os resultados dos estudos em andamento possam avaliar seus efeitos de modo apropriado.
Medidas tomadas pela Anvisa
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) enquadrou como medicamentos de controle especial as substâncias hidroxicloroquina e cloroquina. A medida foi tomada devido ao grande número de pessoas que buscaram os medicamentos depois do surgimento de notícias de que esses produtos estavam sendo usados, ainda em caráter de pesquisa, no tratamento ao novo coronavírus.
A Anvisa quer evitar que pessoas que não precisam efetivamente desse medicamento provoquem o desabastecimento do mercado. Entre os pacientes que precisam desses produtos estão pessoas com malária, lúpus e artrite reumatoide.
REFERÊNCIAS
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Esclarecimentos sobre hidroxicloroquina e cloroquina. Disponível em: https://portal.anvisa.gov.br/noticias/- /asset_publisher/FXrpx9qY7FbU/content/covid-19-esclarecimentos-sobrehidroxicloroquina-e-cloroquina/219201 [Acessado em 19 de março de 2020].
Canadian Agency for Drugs and Technologies in Health (CADTH). Rapid review summit: then, now and in the future. 3–4 February 2015.
CADTH Summit Series. CADTH: Vancouver, BC; 2015. Disponível em: https://www.cadth.ca/cadth-summitseries. Catalogue of Bias Collaboration. Catalogue Of Bias. [Internet]. Catalogue Of Bias. 2019. Disponível em: https://catalogofbias.org/biases/attrition-bias/ [Acessado em 19 de março de 2020].
China lawt ranslate. Novel Coronavirus Pneumonia Diagnosis and Treatment Plan (Provisional 7th Edition). China Law Translate. 4 March 2020. Disponível em: https://www.chinalawtranslate.com/coronavirus-treatment-plan-7/. [ Acessado em 19 de março de 2020].
Cortegiani A, Ingoglia G, Ippolito M, Giarratano A, Einav S. A systematic review on the efficacy and safety of chloroquine for the treatment of COVID-19. J Crit Care. 2020 Mar 10. pii: S0883-9441(20)30390-7. doi: 10.1016/j.jcrc.2020.03.005. [Epub ahead of print]. 18 Downs SH, Black N.
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