Ivermectina: As atuais evidências científicas e controvérsias anti-Covid-19

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Essa e muitas outras perguntas relacionadas à ivermectina surgiram desde o surgimento da atual pandemia de Covid-19, associada ao coronavírus SARS-CoV-2.

Na busca desenfreada por medicamentos possíveis para profilaxia e tratamento da doença, que evitassem especialmente os quadros graves, diferentes estudos experimentais iniciais avaliaram a “reposição”, “reproposta” ou a possível atividade (utilidade) de medicamentos tradicionalmente utilizados para doenças específicas no combate ao SARS-CoV-2.

Um desses medicamentos consiste na Ivermectina, anti-parasitário que apresentou inicialmente atividade inibitória in vitro quando aplicadas doses elevadas em ensaios laboratoriais contra coronavírus associado a Covid-19. A partir desses achados, muitos pesquisadores iniciaram estudos diversos, incluindo ensaios clínicos randomizados ou observacionais, acumulando uma série de resultados que permitissem destrinchar a possível ação desse medicamento no tratamento da Covid-19.

Devido a divulgação na mídia desses resultados precoces, inúmeros médicos passaram a prescrever empiricamente tal medicamento em doses e frequência diversa, sem qualquer consenso ou evidência científica que direcionasse para uma melhor estratégia. Tentativa e erro. Após aproximadamente 19 meses desde o início da pandemia, retomamos o assunto e reunimos achados atualizados sobre o possível uso dessa droga no controle da doença.

Ivermectina

Mecanismo de ação

A ivermectina pertence ao grupo de drogas chamado avermectinas, produzidas em culturas do fungo Streptomyces avermitis.

Que consiste em uma droga antiparasitária utilizada para tratamento de doenças tropicais negligenciadas como oncocercose, helmintíase, pediculose e escabiose.

Está sendo avaliado seu potencial para reduzir as taxas de transmissão de malária pela morte de mosquitos que se alimentam de seres humanos tratados com esse medicamento. Até então, não há qualquer indicação para uso como antiviral.

A ivermectina é geralmente bem tolerada, lipossolúvel, com rápida absorção por via oral, com maior biodisponibilidade quando administrada com alimentos, com efeitos adversos raros já descritos como tontura, prurido, náusea ou diarreia. Representa um substrato de citocromo P3A4 e p-glicoproteína e é metabolizada pelo sistema citocromo P450, sendo excretada nas fezes. Apresenta pico plasmático entre 3 a 5 horas da administração e apresenta meia-vida plasmática de 12 a 66 horas.

Em estudos animais, já foram descritos efeitos teratogênicos em doses maternotóxicas, o que preocupa quanto ao uso indiscriminado em estágios precoces da gestação (< 10 semanas de gestação), mas a relação causa-efeito direta ainda carece de evidências de qualidade. Há carência de estudos também sobre a secreção de ivermectina na amamentação (NIH, 2021).

Os achados dos estudos in vitro sugerem que a ivermectina inibe as proteínas transportadoras nucleares denominadas importina alfa/beta-1, as quais são fundamentais para o transporte intracelular utilizado por diferentes vírus no processo infeccioso. Adicionalmente, a ivermectina age em ionóforos e também pode interferir com a adesão da espícula do coronavírus SARS-CoV-2 nas membranas celulares humanas ao interagir com TMPRSS2. Tais mecanismos sobre as células do hospedeiro podem representar a base para uma atividade de amplo espectro contra diversos vírus RNA como dengue, influenza, Zika, HIV-1, febre amarela e outros (Zaidi & Dehgani-Mobaraki, 2021).

As avaliações quanto à farmacocinética e farmacodinâmica sugerem que a concentração plasmática necessária para a ação antiviral eficaz seria correspondente a doses de ivermectina até 100x maior do que aquelas permitidas para uso em seres humanos.

Embora a droga apresente acúmulo em tecido pulmonar, a concentração máxima obtida nesse órgão e em nível sérico são muito inferiores a 2 uM, correspondente a IC50 que apresentou atividade inibitória in vitro contra SARS-CoV-2 em cultura de células.

A administração subcutânea também não apresentou efeitos em modelos animais. E apesar da atividade in vitro detectada, nenhum ensaio clínico têm relatado o benefício clínico do uso de ivermectina na profilaxia ou tratamento desses vírus. Alguns estudos sugerem propriedades anti-inflamatórias que poderiam beneficiar os indivíduos com Covid-19, especialmente na inibição dos receptores TLR4, promoção da expressão de interferon, interferência nas vias JAK-STAT, NF-𝛋B, PAI e diversas outras (Guzzo et al., 2002; Caly et al., 2020; Chaccour et al., 2020, NIH, 2021; Zaidi & Dehgani-Mobaraki, 2021).

Meta-análises e revisões sistemática

Diversos estudos indicam possível redução do tempo à resolução das manifestações clínicas da doença, redução dos níveis de marcadores inflamatórios, aceleração do clearance viral e menor taxa de mortalidade entre os pacientes que receberam ivermectina, quando comparado com outras drogas ou placebo. Porém, a maioria desses estudos apresentou informação incompleta dos estudos e dados dos pacientes, e limitações metodológicas significativas, o que dificultou a eliminação de causas comuns de bias. Essas limitações incluíram:

  • Tamanho amostral pequeno;
  • Várias doses e esquemas de uso de ivermectina;
  • Estudos randomizados sem uso de duplo cego;
  • Uso concomitantes de diversos medicamentos (ex. hidroxicloroquina, doxiciclina, azitromicina, zinco, corticoides e outros);
  • A gravidade do quadro de Covid-19 nos participantes dos estudos não foi devidamente descrita em vários dos estudos;
  • O desfecho clínico não foi detalhado.

Algumas meta-análises sobre o uso anti-Covid-19 da ivermectina têm sido publicadas.

Uma delas publicada em maio de 2021, reuniu 55 estudos, sendo que 100% dos 36 ensaios com uso profilático ou tratamento precoce, indicaram efeitos positivos da intervenção com ivermectina sustentados por significância estatística (Bryant et al., 2021; Roman et al., 2021; Wehbe et al., 2021). Bryant et al. (2021) conduziram uma revisão sistemática, meta-análise e análise sequencial de ensaios e incluíram 15 estudos clínicos.

Observou-se a redução de risco de morte com ratio de 0,38 (Intervalo de confiança 0,19-0,73, n = 2.438, evidência moderada) em pacientes com Covid-19 em tratamento constituído de ivermectina, e redução de infecção por Covid-19 em cerca de 86% quando em uso de profilático da droga (evidência baixa).

Consensos atuais

Devido a ausência de evidências conclusivas favoráveis que sustentem os efeitos benéficos efetivos do uso da ivermectina, os consensos internacionais e brasileiros de diferentes instituições, incluindo o Ministério da Saúde e a Sociedade Brasileira de Infectologia não recomendam o uso de ivermectina para profilaxia pré e pós-exposição, tratamento precoce ou em pacientes hospitalizados com Covid-19 (Brasil, 2021; NIH, 2021). Tais instituições sugerem o uso desse medicamento somente no contexto de ensaios clínicos. Continuamos sem conclusões concretas. Mais detalhes sobre o assunto podem ser verificados nas referências citadas abaixo.

Fonte: pebmed.com.br

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