O diagnóstico de câncer em tempo real, capaz de fornecer respostas em menos de dois minutos durante uma cirurgia, está deixando de ser apenas uma possibilidade futura para se tornar realidade no Brasil.
O Hospital Israelita Albert Einstein, referência em inovação médica, iniciou um estudo clínico com o MasSpec Pen System, dispositivo portátil que utiliza inteligência artificial e espectrometria de massas para identificar tumores diretamente no centro cirúrgico.
Essa iniciativa coloca o país como o primeiro fora dos Estados Unidos a testar a tecnologia, aproximando pacientes brasileiros de uma ferramenta que pode transformar a forma como o câncer é tratado.
Como funciona a tecnologia do MasSpec Pen System
O dispositivo foi apelidado de “caneta inteligente” por sua praticidade no ambiente cirúrgico. O funcionamento é simples para o cirurgião, mas altamente sofisticado nos bastidores:
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A ponta da caneta é posicionada sobre o tecido suspeito.
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Uma gota de água estéril é liberada para coletar moléculas da superfície.
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Esse material é imediatamente aspirado e analisado em um espectrômetro de massas.
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O sistema de inteligência artificial compara o perfil molecular obtido com um banco de dados de tecidos cancerígenos e saudáveis.
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Em até 90 segundos, o diagnóstico é apresentado.
Na prática, o médico recebe em tempo real uma indicação se o tecido é maligno ou benigno, o que pode influenciar diretamente a decisão sobre a extensão da cirurgia.
Detalhes do estudo no Brasil
O estudo clínico do Einstein terá duração de 24 meses e contará com 60 pacientes oncológicos, sendo 30 diagnosticados com câncer de pulmão e 30 com câncer de tireoide. A escolha desses tipos de tumor não foi aleatória:
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Acessibilidade cirúrgica: são órgãos que permitem aplicação direta do dispositivo durante a operação.
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Complexidade diagnóstica: especialmente em casos de tireoide, é comum que haja dúvidas sobre a natureza de nódulos.
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Maturidade do algoritmo: os bancos de dados utilizados já apresentam informações robustas sobre esses cânceres.
Todos os resultados gerados pela caneta serão comparados com o exame anatomopatológico, padrão ouro no diagnóstico de câncer. Isso permitirá medir acurácia, sensibilidade e especificidade da tecnologia.
Além disso, os pesquisadores avaliam a possibilidade de o sistema detectar biomarcadores imunológicos, o que pode abrir caminho para personalizar ainda mais o tratamento de cada paciente.
Experiência internacional fortalece a pesquisa
Antes de chegar ao Brasil, o MasSpec Pen System foi testado em instituições de referência nos Estados Unidos, incluindo Johns Hopkins University, UCLA (University of California, Los Angeles), MD Anderson Cancer Center e Baylor College of Medicine.
Esses centros realizaram cirurgias em tumores de mama, cérebro, ovário e próstata. Os resultados demonstraram consistência na identificação de tecidos cancerígenos, validando o potencial científico da abordagem.
O estudo brasileiro, portanto, não parte do zero. Ele busca verificar como a tecnologia se adapta ao contexto clínico local e se mantém a mesma precisão encontrada nos grandes hospitais norte-americanos.
Potenciais benefícios clínicos
O grande diferencial do diagnóstico de câncer em tempo real é a velocidade e a precisão da informação. Isso traz uma série de benefícios práticos:
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Decisões mais rápidas na sala de cirurgia: o cirurgião pode definir imediatamente se deve ampliar ou não a ressecção do tumor.
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Preservação de tecido saudável: ao identificar com clareza os limites do câncer, evita-se a remoção desnecessária de áreas não afetadas.
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Menos necessidade de biópsias convencionais: elimina-se o tempo de espera entre a coleta do material e a análise em laboratório.
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Redução de retratamentos: cirurgias adicionais para retirada de margens comprometidas podem se tornar menos frequentes.
Segundo Kenneth Gollob, coordenador do estudo e especialista em imunologia do câncer, a tecnologia tem potencial para tornar os procedimentos cirúrgicos mais direcionados e eficazes, aumentando as chances de bons desfechos clínicos.
Já o pesquisador Gustavo Gonçalves Silva, bolsista da Fapesp, destaca que o sucesso do projeto depende da integração entre pesquisa científica, diagnóstico clínico e prática cirúrgica — uma colaboração essencial para trazer a inovação da teoria para o dia a dia do paciente.
Um passo rumo à medicina de precisão
O câncer é uma doença complexa, com comportamentos distintos mesmo entre pacientes com o mesmo tipo de tumor.
A possibilidade de analisar moléculas em tempo real durante a cirurgia aproxima a prática clínica da medicina de precisão, conceito que busca tratamentos personalizados e menos invasivos.
Além de identificar tumores, a detecção de biomarcadores imunológicos pode fornecer dados sobre como o sistema imunológico do paciente reage ao câncer, auxiliando na escolha de terapias complementares, como a imunoterapia.
Isso significa que, no futuro, um procedimento cirúrgico poderá não apenas remover o tumor, mas também indicar quais medicamentos têm maior chance de sucesso no combate à doença.
Desafios e perspectivas
Apesar do entusiasmo, especialistas ressaltam que ainda há etapas a serem superadas antes de a tecnologia ser incorporada de forma ampla no Brasil:
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Validação científica local: é necessário confirmar que os resultados obtidos aqui sejam equivalentes aos de centros internacionais.
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Treinamento de equipes: cirurgiões e patologistas precisarão se adaptar à nova ferramenta.
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Custo e acessibilidade: será preciso avaliar se o investimento é viável para hospitais públicos e privados.
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Integração com protocolos clínicos: a novidade deverá ser regulamentada e padronizada em conjunto com órgãos de saúde.
Se bem-sucedido, o estudo pode abrir caminho para que a caneta inteligente seja usada em outros tipos de câncer, ampliando ainda mais seu impacto.
O impacto para pacientes brasileiros
Para os pacientes, a possibilidade de diagnóstico imediato traz mais do que ganhos técnicos. Ela representa menos ansiedade, já que a espera pelo resultado de uma biópsia costuma ser um período de grande estresse.
Também aumenta a segurança de que a cirurgia realizada foi a mais adequada possível, reduzindo riscos de complicações e de necessidade de novas intervenções.
Além disso, iniciativas como essa mostram como o Brasil pode estar na vanguarda da medicina, oferecendo acesso a tecnologias inovadoras que antes só estavam disponíveis em países como os Estados Unidos.
Conclusão
O estudo conduzido pelo Hospital Israelita Albert Einstein marca um capítulo importante na história da oncologia no Brasil.
Ao testar o MasSpec Pen System, o país se coloca entre os pioneiros no uso de diagnóstico de câncer em tempo real, tecnologia que promete transformar cirurgias oncológicas em procedimentos mais seguros, rápidos e precisos.
Se os resultados confirmarem a eficácia observada em centros internacionais, estaremos diante de uma ferramenta que pode não apenas melhorar o tratamento de câncer de pulmão e tireoide, mas também abrir caminho para sua aplicação em outros tipos de tumores.
Mais do que inovação, trata-se de esperança: a esperança de que diagnósticos rápidos e precisos se traduzam em tratamentos mais eficazes, maior preservação de qualidade de vida e melhores prognósticos para milhares de pacientes.
Fontes:
Hospital Israelita Albert Einstein;
University of Texas at Austin;
National Cancer Institute EUA;
FAPESP;
Saúde Business.