A judicialização da saúde, fenômeno crescente no Brasil, revela um problema estrutural no sistema público. Quando cidadãos recorrem à Justiça para garantir o acesso a medicamentos ou tratamentos, o impacto no orçamento estadual é significativo. Segundo levantamento, cerca de 32% dos gastos estaduais com assistência farmacêutica são destinados a atender demandas judiciais, deixando o restante da população com acesso limitado a políticas públicas essenciais.
O que é judicialização da saúde?
Esse processo ocorre quando uma pessoa, ao não conseguir acesso a um medicamento, exame ou procedimento pelo SUS, recorre ao Poder Judiciário para garantir esse direito. Embora a Constituição Federal garanta o direito à saúde, o caminho judicial tem se tornado, muitas vezes, a única alternativa para pacientes que enfrentam a escassez de insumos e falhas na gestão pública.
O problema é que, em vez de fortalecer o sistema como um todo, essa prática desorganiza a alocação de recursos. A compra emergencial de medicamentos, muitas vezes de alto custo, exige licitações fora do padrão, quebra de contratos prévios e reestruturações orçamentárias que afetam o planejamento da saúde pública, algo que é o diferencial em algumas farmácias, pois são especialistas em atender demandas judiciais e já sabem como funciona todo o processo.
Dados alarmantes sobre os custos com judicialização
Um levantamento feito pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) mostra que a judicialização representa uma pressão crescente sobre os cofres estaduais. Em 2023, a judicialização da assistência farmacêutica chegou a representar até 33% do orçamento da área em alguns estados, como o Rio Grande do Sul e Minas Gerais.
Os medicamentos mais judicializados geralmente são aqueles de alto custo, biológicos ou ainda não incorporados ao SUS. Muitos deles não possuem comprovação científica sólida ou ainda estão em fase de estudos clínicos, o que aumenta o risco tanto para os cofres públicos quanto para os pacientes.
Quais medicamentos são mais judicializados?
Os medicamentos mais comumente pedidos incluem:
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Canabidiol (CBD) – frequentemente solicitado para epilepsias e dores crônicas, mas com uso ainda regulado;
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Imunobiológicos, como adalimumabe e infliximabe, usados no tratamento de doenças autoimunes como artrite reumatoide e Crohn;
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Oncológicos de alto custo, como pembrolizumabe e trastuzumabe;
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Medicamentos para doenças raras, com preços que ultrapassam milhões de reais por paciente ao ano.
Além disso, há casos de medicamentos não registrados na Anvisa, cuja importação judicial exige decisões liminares e coloca o Estado em situação delicada de legalidade.
Causas da judicialização: um ciclo de falhas
Tal judicialização é, ao mesmo tempo, consequência e causa de falhas sistêmicas. Entre os principais motivos para a explosão dessas ações judiciais, destacam-se:
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Falta de acesso: Falta de medicamentos na rede pública ou demora para obter tratamentos via SUS;
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Desigualdade regional: Diferença na oferta de serviços e insumos entre estados e municípios;
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Demora na incorporação de tecnologias pelo SUS;
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Decisões judiciais desconectadas da política pública, muitas vezes concedidas sem ouvir os gestores de saúde.
O resultado é um ciclo vicioso: quanto mais se judicializa, mais recursos são desviados das políticas públicas estruturadas, aumentando a desorganização do sistema e gerando novas ações judiciais.
Soluções possíveis: o que pode ser feito?
A judicialização da saúde é um tema sensível, pois envolve o direito à vida e à dignidade. No entanto, algumas medidas podem ajudar a reduzir sua frequência e impacto negativo:
1. Fortalecer a Conitec
A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS precisa de mais agilidade e autonomia para incorporar medicamentos com eficácia comprovada, evitando que pacientes recorram à Justiça para ter acesso.
2. Educação judicial e diálogo entre Poderes
É fundamental que juízes, promotores e defensores públicos sejam capacitados sobre a política pública de saúde e as evidências científicas. O CNJ já atua nesse sentido, mas o processo precisa ser ampliado.
3. Protocolos unificados e transparência
A criação de protocolos clínicos de abrangência nacional, com base em evidências, ajuda a evitar interpretações divergentes e garante maior equidade.
4. Monitoramento de ações judiciais
O uso de ferramentas como o e-NatJus, do CNJ, permite que os magistrados consultem notas técnicas e pareceres científicos antes de decidir sobre medicamentos ou tratamentos solicitados.
5. Negociação com a indústria farmacêutica
Ações coordenadas entre Ministério da Saúde e estados podem garantir compras coletivas de medicamentos mais caros, reduzindo o custo unitário e diminuindo os pedidos judiciais.
O papel do cidadão: informação e responsabilidade
O cidadão tem o direito de buscar a Justiça quando o sistema falha. No entanto, é preciso ter consciência dos impactos gerados. Muitos pedidos judiciais são motivados por informações parciais, pressões da indústria ou falsas promessas de cura.
É essencial buscar canais oficiais de informação, como os sites do Ministério da Saúde, Anvisa e associações de pacientes sérias, para evitar o uso indiscriminado de medicamentos ainda sem comprovação.
Conclusão
Judicialização da saúde é um reflexo das falhas estruturais do sistema público brasileiro. Embora seja um instrumento legítimo de garantia de direitos, ela deve ser usada com responsabilidade e dentro de um contexto mais amplo de fortalecimento das políticas públicas.
Para reduzir sua incidência, é necessário investir em planejamento, transparência, evidência científica e diálogo entre os Poderes. Só assim será possível garantir o direito à saúde de forma equitativa, sustentável e ética.
Fontes:
Futuro da Saude;
Conass;
Fiocruz;
CNJ.